terça-feira, 3 de dezembro de 2019

[Crônica] Sobreposições de rosas púrpuras do Cairo

Longe de criar essencialismos transcendentais na obra desse diretor (que possuí problemas tanto ideológicos e pessoais como cinematográficos), gostaria simplesmente de realizar um exercício de reflexão com esse filme que considero belíssimo. A Rosa Púrpura do Cairo (The purple rose of Cairo, 1985) é uma tragicomédia lançada em 1985, dirigida por Woody Allen e estrelada por Mia Farrow (então parceira amorosa desse diretor) e Jeff Daniels. Assim, nesse breve texto somente quero postular algumas ideias que nasceram da minha experiência, sem nenhuma ambição de encerrar ou esgotar o seu significado – isso também não significa que vou me posicionar em relação às polêmicas que envolvem esse diretor, pois tal como pretendo demonstrar, o que esse filme coloca em questão é a própria autonomia e a co-criação da obra de arte. 

O enredo segue as linhas do estilo característico de Woody Allen, comédias românticas com dramas e tragédias. Em poucas palavras, a trama gira em torno da personagem de Cecilia (Mia Farrow), em Nova Jersey durante a Grande Depressão, cuja a vida insatisfatória à faz buscar fugas para o seu sofrimento no cinema. Após constantes abusos do marido e de perder o emprego, ela vai assistir ao filme A Rosa Púrpura do Cairo, onde o jovem arqueólogo Tom Baxter (Jeff Daniels) é o personagem principal. Nesse momento, o personagem fictício percebe que Cecília havia assistido ao filme cinco vezes e decide conversar com a espectadora, saindo da tela e ganhando corpo físico. 



A trama se desenrola com a confusão gerada pela saída de Tom Baxter das telas, acarretando em problemas para indústria cinematográfica, o que envolve os diretores, os produtores, os atores e os próprios personagens do filme que possuem personalidades e opiniões. Nessa confusão, Cecília e Tom Baxter começam a se relacionar, um caso amoroso inesperado entre um ser ficcional e uma mulher de carne e osso. Contudo, a impossibilidade dessa relação aparece em coisas pequenas através do conflito entre o real e o imaginário.

A medida que o filme se desenvolve, observamos que essas categorias não são tão evidentes quanto parecem. Real e imaginário estão sobrepostos, nenhum possuí autonomia em relação ao outro. Essas tensões vão se desdobrando a partir da relação dos dois apaixonados, das conversas entre os personagens dentro da tela e os espectadores, das decisões levadas à cabo pela indústria cinematográfica e das crises que envolvem sentimentos genuínos por questões imaginárias.

Posto que o real e o imaginário estão sobrepostos, percebemos que se trata de um filme em que os personagens fictícios assistem um filme que contém outros personagens fictícios. Ou seja, há um processo metalinguístico, o filme se refere a ele mesmo, dialoga com outras obras e com o próprio fazer cinematográfico. Em consequência disso, a “quarta parede” é constantemente rompida com sentenças que dialogam diretamente com o espectador, principalmente através dos monólogos do personagem comunista – sendo que aqui há um paradoxo, pois quem solta essas frases são os personagens de dentro do filme, assim, o filme dentro filme nos comunica ideias. 

Esse paradoxo é extremamente interessante porque coloca algo que nunca é falado diretamente: uma obra não existe individualmente, existem diversas sobreposições de outras obras anteriores, de tempos históricos, de ideias conflitantes e, principalmente, de tensões culturais que se referem tanto ao momento de concepção como ao passado. A figura do artista e do criador são redimensionadas, colocando-os como montadores ou performers, influenciáveis e influenciadores. Portanto, constitui-se um jogo de mão de dupla, o artista cria tanto quanto o público, ambos dotam tais produções de sentido através das suas experiências.

Além disso, quando observamos o amor de Cecília e Tom Baxter, duas questões polêmicas estão em pauta. Por um lado, constata-se que o próprio sentimento do amor é algo imaginário, ou seja, apaixonamo-nos por ideias. Por outro, podemos nos apaixonar pelas obras de artes, pois muitas vezes elas nos oferecem mais razões e motivos para viver do que o cotidiano. Sendo que esse último, por sua vez, pode ser miserável e solitário, a imaginação possibilita novas formas de sentir e experimentar a vida.

Ao meu ver A Rosa Púrpura do Cairo coloca reflexões intensas sobre o real, o imaginário, o amor e a arte. Sendo que os seus maiores méritos são os demonstrar 1) como o real e o imaginário são categorias que se interpõem e não existem por si mesmas, 2) inexistência de algo como um fazer genial, pois diversas obras estão em questão, assim, o artista não é um ser individual, mas essencialmente coletivo e 3) a interdependência da obra de arte com o seu público, pois os espectadores influenciam e criam significados tanto quanto os autores.

O terceiro ponto possuí uma consequência direta: não existe uma hierárquica artística, pois o filme dentro filme, A Rosa Púrpura do Cairo, é uma comédia simples, plana, sem grandes horizontes artísticos além do mero ideal de entreter um público infeliz em um contexto triste e de faturar dinheiro com a bilheteria. Contudo, isso não impede que ela possa oferecer uma certa “transcendência” para alguém. Nesse sentido, uma cena muito curiosa é quanto a Cecília entra no filme junto com Tom Baxter e vivência todo o enredo ao lado de seu amado. Em outras palavras, ela recriou o filme de acordo com as suas experiências, ela vivenciou e redimensionou a obra inserindo a sua presença.
                       
Apesar de todo esse plano reflexivo e simbólico, ainda existem questões mais materiais. Por exemplo, a personagem de Mia Farrow explode e decide se tornar dona do seu próprio destino, enquanto os personagens masculinos como seu marido Monk (Danny Aiello) e posteriormente o ator Gil Shepherd (que dentro da trama interpreta o arqueólogo Tom Baxter) podem ser reduzidos à meros enganadores, interesseiros e mentirosos. Apesar do tom divertido do filme, tudo acaba em tragédia, com Cecília sozinha e desiludida, e os personagens masculinos, mesmo que tenham conseguido o que queriam, não se sentem felizes. No final, os representantes da indústria cinematográfica foram os únicos que saíram contentes, pois continuaram lucrando com o filme.

A película não acaba de maneira otimista. As reflexões colocadas em pauta não se encerram em um único horizonte, pois podem tanto levar ora à autonomia do público, ora ao controle dessa produção pela indústria que visa unicamente o lucro. Tanto que quando Cecília volta ao mundo real abandonando Tom Baxter no filme porque estava convencida de que Gil Shepherd a amava o que ela encontra é somente a desilusão e a decepção. O ator nunca a amou, pois, influenciado pelo time executivo do filme, ele somente queria que o seu personagem voltasse ao filme para, assim, os produtores continuarem lucrando. Dessa maneira, a autonomia do público criador foi encerrada pela ação da indústria.

Então, nem tudo é relativo e autônomo. A indústria pode produzir “protocolos” que confinam a participação do público à um lugar restrito em prol do lucro e de certos interesses ideológicos. Portanto, ao meu ver, a palavra que marca o filme é “tensão”. Tensão entre mercado e criação, tensão entre o real e o imaginário, tensão entre a obra e os seus predecessores, tensão entre o artista e o público. Por fim, o que resta não é um juízo de valor moralizante, mas sim a sobreposição de todos os componentes e o conflito de interesses, tal qual a produção cinematográfica que existe através da montagem e do empilhamento de ideais.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

[Conto] Uma morsa ou quinze crianças?


         No seio de uma reunião de amigos – cuja qual estávamos consideravelmente alterados pelos vapores do álcool – nasceu um dilema com a capacidade de fazer emergir a mais pura essência do ser humano. Não me lembro da exata concatenação de eventos que fez essa pergunta aparecer pela primeira vez. Tanto que ela surgiu como uma piada, algo com deliberada intenção de entreter e divertir os nossos cérebros ébrios. Isso explica o tom fantasioso da pergunta: supondo que sua vida dependesse de um combate, você preferiria lutar contra uma morsa ou contra quinze crianças?

Apesar do tom absurdo, longe de qualquer experiência empírica, o referido dilema expressa uma acurada contundência, assim, consegue revelar os motivos que regem as individualidades. Apesar da pergunta oferecer somente duas respostas, deve-se considerar que são as justificativas os verdadeiros pilares dessa questão. Seja a morsa, sejam as crianças, cada indivíduo expressa um argumento diferente, um fundamento que sustenta a sua escolha. Dentro desse argumento, está contida a quintessência, a síntese da existência, proclamada em forma de valores e imperativos éticos. O ego, o superego e o id desaparecem sob a ação da linguagem que narra e descreve as razões de ser da alma.

Diante da profundidade de tal questão e das complexas teias de respostas, retorno para fática noite em que tal questão nasceu. Não tenho certeza, mas acho que éramos sete naquela noite, sete almas perturbadas e incompreensíveis, tanto para si como para os outros. Cada um, a sua maneira, guardava uma cicatriz no coração, algo que não conseguia ser dito. Por mais que as palavras fossem abundantes, era impossível expressar aquela dor. Assim, afogávamos no álcool com o intuito de, contraditoriamente, fugir e abraçar os nossos demônios. 

Após algumas horas de delírios etílicos, eis que um dos sete se levanta e proclama a grande pergunta em voz alta, marcada por um tom zombeteiro e irônico – será que nesse momento ele havia sido proclamado um oráculo dos deuses ou um xamã e proposto a grande questão? Quem há de dizer? O fato é que a pergunta foi proclamada e todos os presentes ficaram em aturdidos, sem saber o que responder.

Logo um pandemônio se instaurou, um verdadeiro caos, todos disputavam a voz e a verdade. Cada um tentava convencer o outro da melhor forma possível, expondo os seus incontestáveis argumentos. No entanto, nenhum dos presentes se deu conta de que mais do que falar para os outros, estavam, na verdade, falando consigo mesmos enquanto narravam a sua própria verdade, a sua própria cosmovisão.

Uns alegavam que seria melhor combater a morsa, pois era um oponente isolado, passível de ser derrotado e menos pavoroso do que quinze crianças. Já outros argumentavam que quebrariam suas barreiras morais e matariam quinze crianças caso a suas vidas dependessem disso, além de, claro, crianças serem oponentes menos formidáveis do que uma morsa.

Reservo-me do direito de analisar o que cada um respondeu, afinal, isso diz respeito somente ao enunciador. O ouvinte jamais deve analisar os motivos que regem a alma de outrem, basta a simples escuta e, em casos extremos, a compreensão. Mas aproveitarei esse relato para analisar a minha própria experiência, os motivos que estruturam a minha resposta são tão profundos que ecoam dentro de meu peito. 

Eu escolhi batalhar contra a morsa. Naquele momento, afirmei resoluto sem pausas para um segundo pensamento, eu estava exaltado, eufórico e alegre por conta dos néctares de Baco, no entanto, esse instante de loucura foi o mais lúcido de minha vida. Na realidade, antes de expressá-la, eu já havia pensado naquela resposta há muitos anos. Provavelmente desde os primórdios de minha vida. Essa questão tem esse mérito: revela o que move a alma individual, colocando em palavras informações e pressentimentos que flutuam dentro do ser e nunca são nomeados. No meu caso, a batalha contra a morsa era apenas uma alegoria, ela representava a minha vontade de morte. 

Gustave Dore, 1883, THE RAVEN
Por que lutar contra uma morsa e não contra as crianças? Para mim era simples, eu não pretendia vencer. Uma morsa era muito mais forte, podendo chegar até duas toneladas, além de contar com presas enormes. Bastaria um giro desse imenso animal para acabar com a minha existência. Dessa maneira, eu aceitaria a morte sem contestar. Caso algum dia eu seja forçada a escolher entre vida ou morte, a segunda opção com certeza ganhará. Não tenho ímpeto nem força de vontade para sustentar um desafio que me deixará vivo. Eu busco a morte, busco o fim. Além disso, creio que as crianças seriam um tanto quanto mais cruéis do que uma morsa, se é para morrer que seja com menos sofrimento possível. 

Por mais cômico que possa parecer, essa pergunta e a consequente resposta guardam e expressam a quintessência da alma. Antes eu nunca havia percebido quando as minhas ações eram voltadas para a autodestruição, a depreciação de tudo o que amo e vivo, um abismo desolador que arrasta tudo para si, transformando os materiais absorvidos em trapos. Esse sou seu, essa é minha existência capenga e patética que se locomove pelos escombros de um passado tardio e de um futuro em ruínas. Não há presente, somente me resta ansiar pela morte e pelo fim do vazio que perscruta a minha alma. 

Em suma, mantenho-me aqui, nessa mesa de bar, fazendo barulho junto com meus companheiros até o dia em que a morte chegar. Mas e você? Já te perguntaram? Caso sua vida dependesse de um combate, você preferiria lutar contra uma morsa ou contra quinze crianças? Suspeito que você não gostaria de ouvir a sua resposta.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

[Crônica] O Crepúsculo da Moral


Hoje fui ao cinema assistir o novo filme dos Vingadores da Marvel, e ontem reassisti um clássico moderno da DC, Watchmen (2009). Creio que atinge o ápice da síntese e da antítese, pois ambos os filmes tratam, simbolicamente, das mesmas questões, o segundo com mais maestria do que o primeiro, o que, no entanto, não anula a sua eficácia de transmitir uma mensagem direta e clara: a falência dos discursos moralizantes. Pois bem, raramente me arrisco à desferir juízos sobre o cinema, prefiro me aventurar nas incursões filosóficas do cotidiano e na ficção fantástica. Porém, algo me chama, me impele à escrever esse texto, uma força da qual preciso ser porta-voz. Para quem for contra os infames spoilers, por favor pare de ler aqui. 

Em verdade vos digo, o Vingadores: Guerra Infinita1 é um clássico filme da Marvel – isto é, você verá ótimas lutas, efeitos especiais exuberantes, tiradas cômicas não tão engraçadas e uma fotografia bem colorida – com exceção de que, ao menos dessa vez, você não saíra sorridente do cinema. No que o filme peca em não representar relações humanas com profundidade, em exageradas tiradas cômicas, em buracos roteirísticos e “forçações de amizade” cênicas, ele acerta na construção do personagem Thanos. Tanto que uma cena digna de ser notada é o momento em que Gamora recorda do seu primeiro contato com Thanos, momento em que ele lhe explica sua filosofia de vida, sua busca por equilíbrio. 

Admito que parte do o que me intriga no Thanos provém do meu profundo senso antimoralismo heroístico. Mas, se olharmos bem, num mundo em que existem heróis com um senso moral irritante, entidades que realmente se sentem representantes do bem comum e de valores burgueses e liberais vigentes desde o Iluminismo e perpetuados a partir da queda da Bastilha em 1789, um ser como Thanos realmente representa uma ameaça. Simbolicamente ele retrata a morte da moral, àquela clássica que valoriza a vida e elege representantes e heróis que perpetuam conjuntos de valores anacrônicos. Thanos emerge como o superhomem que Nietzsche previu. O homem que se elevou além da moral, além dos valores de seu tempo, negou suas travas históricas e avançou, enfrentando à tudo e todos, renegando seus sentimentos em prol do seu objetivo. Do seu ponto de vista, ele lutou por uma verdade mais elevada. 

O superhomem venceu os heróis, venceu os símbolos da moral antiga, liberal e burguesa, com o poder das Joias do Infinito, isto é, metáfora para explicar que nesse momento histórico, no atual pé do século XXI, percebemos que os vitoriosos são os homens sem moral, àqueles que se elevaram além dos inquestionáveis valores compartilhados, pois as engrenagens históricas giram ao seu favor. Nesse momento histórico, a moral compartilhada, com ilusões do bem comum, tende a desaparecer perante a tormenta do individualismo inescrupuloso, da ética da conquista. 
Porém, em sua luta, Thanos só acumulou perdas, dores e agonia. Um profundo sofrimento marca esse homem sem escrúpulos que visa apenas o seu ideal.

Em Watchmen (2009) 2, filme de nove anos atrás da DC, já retrava essa mesma questão. No universo do filme, os heróis são seres humanos comuns, com profundas complexidades psicológicas. Entidades humanas e conflituosas, de carne e osso, longe dos deuses intocáveis (como dois alvos paradigmáticos do meu ódio antimoralista heroístico como Superman e Capitão América), os heróis são maculados pela perversidade, atravessados pela tensão emocional, pelos traumas e pela consciência. Geralmente tanto os filmes como as HQ’s da DC prezam mais pela complexidade psicológica de seus personagens, a atmosfera é sombria, com narrações atormentadas e tramas intrincadas – assim como a paleta da câmera dos filmes da DC, o humor do espectador fica sombria e com vários tons de cinza após uma sessão de seus filmes. 

Apesar do quadro descrito acima, no mundo de Watchmen, os heróis se pretendem representantes do bem comum, essa perspectiva é encarnada pelo personagem Rorschach, detentor de senso moral distorcido, marcado por traumas, ele realmente acredita ser o representante da justiça sem dó, que não se martiriza por utilizar métodos violentos. No caso de Watchmen, me intrigo com esse personagem, o portador da moral distorcida. No final Rorschach é abatido por não compactuar com o assassinato da moral promovido por Ozymandias, seu antigo herói que mata milhões para acabar com a Guerra Fria. A morte de Rorschach é significativa, nela entrevemos a inaptidão da existência de um homem arraigado à sua moral, ao seu senso de justiça, um tanto quanto distorcido, que se justificava por representar o bem comum. Os representantes do bem comum são seres ilusórios, pois somente buscam uma justificativa do seu ser no Outro para afirmar sua própria identidade frágil e fragmentada.

Qualquer semelhança entre Ozymandias e Thanos com certeza não é mera coincidência, ambos matam a sua moral em prol do seu compromisso ético, prol do o que eles consideram ser uma verdade mais elevada. Ao mesmo tempo que os heróis, egoisticamente portadores do bem comum, caem no abismo existencial e, assim como suas morais, são aniquilados. Lembrando que esses filmes são baseados em HQ’s (abreviação para histórias em quadrinhos), sendo Watchmen publicada em 1987 e Desafio Infinito, Guerra Infinita e Cruzada Infinita publicadas no começo dos anos 1990. E depois, adaptadas ao cinema no século XXI, apresentam similaridades que se associam e dissociam. Portanto, essas obras compartilham certas representações que podemos cruzar para tirar um fundo comum, algo que podemos chamar de um pensamento de época, uma das possíveis verdades históricas do fim do século XX e início do XXI.

O ser que subleva e ignora a moral é portador de uma profunda agonia, apesar de ser o vencedor, se sente solitário e em constante sofrimento. Enquanto os moralistas são inaptos à viver nesse mundo, pois não se adéquam e são jogados para escanteio pela impiedosa marcha do mundo moderno. Thanos e Roschach, Ozymandias e Capitão América, são apenas tipos ideais para repensarmos nosso posicionamento no mundo. Edgar Morin 3 já nos propôs essa reflexão, na qual os ícones da cultura pop ocupam o lugar dos deuses, e suas narrativas apresentam estruturas na qual podemos entrever certas visões e dimensões de mundo. Assim, termino esse texto em clima sombrio, pois no fundo, essas duas obras apresentam criticas ríspidas ao movimento da modernidade, do próprio funcionamento do capitalismo e das subjetividades dos seus atores, ou seja, um retrato da psicologia moderna através de espectros ideais, um arraigado à moral o outro desprendido dela. 

1Nas histórias em quadrinhos, escrita por Jim Starling e desenhada por George Pérez, a trama da trilogia Infinita é, perdão pelo trocadilho, infinitamente mais complexa. O que não desmerece o filme, dirigido pelos irmãos Anthony e Joe Russo, em nenhum aspecto, pois uma dura lição que aprendi na minha vida é que os filmes e series não se propõem à serem cópias, mas sim ADAPTAÇÕES.
2Considerado um marco na história das HQ’s, Watchmen, escrito por Alan Moore e desenhado por Dave Gibbons, fugiu dos clichês e do modelo convencional e introduziu técnicas artísticas e narrativas mais complexas. O filme, dirigido por Zach Schneider, é bem fiel à trama da HQ.
3MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: Neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.